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Açúcar: histórias e prejuízos

  • Raissa Gvozdar Schreiter
  • 22 de abr. de 2017
  • 6 min de leitura

Ele está em todos os lugares, até mesmo onde não se acredita que esteja. Conferi e o encontrei, enquanto me preparava para escrever esta reportagem, em várias descrições de ingredientes nas embalagens de doces e salgados industrializados. Eu o vejo quando ando pelas calçadas, em lojas de bolos, nas sorveterias, nos shoppings - são vendidos os mais variados produtos açucarados.


Diversos indícios históricos e científicos revelam o caráter duvidoso do açúcar. Este condimento é prejudicial à saúde do corpo e da mente mas, ainda assim, seu consumo é amplamente incentivado e pouco visto com maus olhos.


FOTO: RAISSA GVOZDAR SCHREITER

AÇÚCAR ORGÂNICO CRISTALIZADO.


Origens e um pouco de história


Hoje em dia, a sacarose refinada é um dos alimentos mais presentes na dieta humana. Acredita-se que seja originária do Oriente. "Os profetas [dos livros sagrados, tais como o Novo Testamento e o Alcorão] nos dizem alguma coisa sobre o status que a cana gozava na antiguidade: era uma preciosidade importada de longe e extremamente cara. Nada sabemos sobre o uso que davam a ela, além de oferecê-la de sacrifício aos deuses. É possível que tenha sido a Índia o longínquo país de onde veio a cana-de-açúcar. Os mitos e lendas da Polinésia fazem constantes referências à doce cana", escreveu William Dufty, em seu livro Sugar Blues (Ed. Ground), de 1975.


Na obra, Dufty explica como este condimento e, consequentemente, o plantio da cana, causaram guerras entre os povos e escravizaram homens e mulheres - literal e figurativamente. Lê-se, resumidamente, em Sugar Blues:

Por volta do ano 600 d.C., a Escola de Medicina e Farmacologia da Universidade de Djondisapour (Pérola do Império Persa) foi pioneira na descoberta do processo de refinamento do caldo da cana e sua solidificação, o que tornou possível estocá-lo sem que fermentasse. O açúcar passou a ser transportado e vendido.


Os muçulmanos, posteriormente responsáveis pela queda do Império Persa, tomaram como herança o segredo do processamento do açúcar. Durante as Cruzadas (expedições religiosas que geraram conflitos entre cristãos e povos "infiéis"), os cristãos também aderiram ao consumo do doce veneno. Por esta razão, o condimento tornou-se uma importante arma política. Sobre ele eram cobrados altos impostos e a cana crescia em abundância nas terras de domínio muçulmano.

A cristandade logo percebeu que tomando posse daquelas terras causaria grandes prejuízos ao inimigo. Além disso, parecia-lhes uma boa ideia cultivar a cana em seus próprios territórios, o que depois se tornaria uma das razões para que potências europeias se empenhassem na busca por localidades onde a planta se adaptasse melhor, como nos trópicos.


Dufty menciona como principal exemplo histórico de população vítima do "sugar blues" a inglesa. Após a liberação da venda de açúcar para fabricação de confeitos, um surpreendente número de pessoas sofreram de sintomas físicos e mentais. "O grande confinamento dos loucos começou no fim do século dezessete após o consumo de açúcar na Inglaterra ter disparado.", diz esta passagem da obra de Michel Foucault, "A História da Loucura" (Ed. Perspectiva, tradução de 1978), reproduzida pelo autor em Sugar Blues. Em relação ao aspecto físico, muitos tiveram escorbuto (doença que causa hemorragia nas gengivas, desgaste nos dentes, dores musculares, entre outros sintomas).


A história do açúcar, portanto, não é tão doce quanto seu paladar. Ele foi estratégico nos confrontos que entrelaçaram oriente e ocidente e, em grande parte, o responsável pela escravização dos povos da África. "Não seria exagero afirmar que o tráfico escravo atingiu a cifra de 20 milhões de africanos, dois terços dos quais sob a responsabilidade do açúcar", diz o trecho do historiador Noel Deerr, citado por Dufty.


FOTO: RAISSA GVOZDAR SCHREITER

CAPA DO LIVRO DE WILLIAM DUFTY DE 1975. O título significa "múltiplas penúrias físicas e mentais causadas pelo consumo de sacarose refinada - chamada açúcar."


O vício


Marcela Palhão, estudante universitária de 22 anos, falou sobre a sua relação com o condimento e que decidiu diminuir seu consumo. "Sou apaixonada por doce e me peguei sempre tendo essa necessidade de comer um, sabe? Parece mais que uma vontade, uma coisa que você precisa comer". Ela, no entanto, ainda consome açúcar "mascarado" na composição de produtos industrializados.


Eduardo Mosquetto (24) disse ter notado o vício depois que começou a praticar meditação. "Quando comecei a meditar mais e respirar conscientemente, comecei a ficar mais sensível. [Reparei que] queria sempre mais e mais, quando comia [algum alimento que continha o condimento]".


A nutricionista e instrutora de yoga Natália Chede, administradora da página no Facebook Alimentando a Vida, explica com mais detalhes a questão: "O açúcar vicia sim, tanto o paladar quanto o organismo e, quando consumimos muito açúcar geralmente perdemos a sensibilidade para sabores doces mais naturais e suaves, como o das frutas". Os picos e quedas de glicemia que o consumo provoca desregulam o metabolismo e aumentam a necessidade por mais açúcar - é um ciclo vicioso.


Perigos para a saúde


A jornalista Julia Zayas (20) evita até mesmo alimentos cuja sacarose refinada está presente na composição. "Faz uns três anos já [que deixei de consumir o condimento de cana]. É uma escolha minha por dieta mesmo, nas raras situações em que como, só como açúcar de coco".


O açúcar branco refinado é o mais prejudicial entre os tipos existentes, de acordo com Chede. Causa diversos desequilíbrios metabólicos e doenças como osteoporose, depressão, hiperatividade infantil, diabetes, obesidade, candidíase e muitas outras patologias. "Hoje já se sabe que ele 'alimenta' as células cancerígenas, por exemplo. Está também relacionado com a disbiose intestinal, afetando nossa imunidade e equilíbrio emocional", afirma a nutricionista.


Conforme mencionei anteriormente na reportagem Por que investir nos limões, a ingestão de açúcar acidifica o sangue. A acidez sanguínea não somente nos torna mais propensos a contrair doenças físicas e comportamentos psicossociais negativos, como também acelera o processo de envelhecimento do corpo. A socióloga Thais de Gouveia (33) falou sobre sua experiência com este fato, que teve conhecimento há cerca de cinco anos. "Lembro do dia: olhei no espelho e me achei muito enrugada. Fui na nutricionista e ela disse que era o açúcar branco. E realmente eu sempre comia muito açúcar, muito mesmo".


Thais diz ter optado não mais consumir o condimento por três razões: "A primeira é porque engordo muito e vejo claramente que emagreço quando não uso o açúcar; a segunda é porque tenho tendência a envelhecer mais rapidamente, sou muito branca e minha pele é flácida, o açúcar piora o envelhecimento. E a última é porque quero engravidar e vi pesquisas que o relacionam à síndrome do ovário policístico".

Em Sugar Blues, o autor destaca, ainda, as seguintes informações:


"O açúcar refinado é letal quando ingerido pelos seres humanos porque fornece apenas aquilo que os nutricionistas descrevem como calorias nuas e vazias. Além disso, o açúcar é pior do que [ingerir] nada, porque drena e consome gradativamente as preciosas vitaminas [principalmente do complexo B] e minerais do corpo pelas exigências que sua digestão e eliminação fazem ao sistema humano."

"A ingestão diária de açúcar produz uma condição continuamente superácida e mais minerais são requisitados das profundezas do corpo na tentativa de retificar o desequilíbrio. Finalmente, para proteger nosso sangue, tanto cálcio é retirado dos ossos e dentes que têm início as cáries e um enfraquecimento generalizado.", lê-se.


Segundo a nutricionista Natália Chede, "em relação a ser mais nutritivo, o melado [enquanto produto da cana] seria a melhor opção, por ser fonte de cálcio e ferro por exemplo", diferente da sacarose refinada.


Açúcar orgânico x açúcar não orgânico


O açúcar orgânico tem ganhado cada vez mais espaço no mercado por ser ecologicamente correto. Mas não se deixe enganar, "a metabolização do açúcar de cana, sendo orgânico ou não, será a mesma", explica Chede. "A diferença é a ausência desses contaminantes e a certeza de um produto ambientalmente e socialmente justo", completa. De acordo com ela, mesmo o açúcar mascavo, por vezes tido como mais saudável, em sua composição preserva apenas alguns poucos nutrientes, já que não passa pelo processo de branqueamento carregado de substâncias químicas.


Para deixar de consumir (principalmente açúcar branco refinado)


Natália Chede também deu algumas dicas para quem deseja parar de consumir açúcar.


1. Comer mais frutas é uma das formas de ir diminuindo a compulsão enquanto nutre o corpo.


2. Melhor optar pelo uso com equilíbrio do melado de cana orgânico e do açúcar de coco.

3. Dentre os adoçantes, a stévia pura é a única recomendada.

E um alerta:


Nunca use adoçantes artificiais no lugar do açúcar! Eles não são metabolizados adequadamente, possuem um poder adoçante muito grande e viciam mais o paladar no sabor doce. "O que queremos é sensibilizar o paladar, para que uma manga madura seja extremamente doce e deliciosa para nós".


Entre outras recomendações, Dufty escreve em Sugar Blues: "Simplesmente mudar de carne vermelha para peixe ou frango reduz seu desejo por doce no fim da refeição - torna mais fácil comer uma fruta natural ou mesmo passar sem sobremesa. Quanto mais proteínas vegetais forem usadas em lugar de proteínas animais, tanto mais fácil será esquecer o açúcar, doces etc.".


 
 
 

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